Summary: Enumera-se como conteúdo para a reflexão da comunidade quatro aspectos que caracterizam o Culto com Ceia do Senhor: essencial, comunitário, festivo e dadivoso.

Introdução

Cada ser vivo, cada atitude, cada sentimento, cada idéia, cada objeto e cada coisa na vida possui os seus aspectos relevantes. São estes aspectos relevantes que caracterizam e realçam as pessoas, atitudes, sentimentos, idéias, objetos e outras coisas mais. Destituí-las de tais aspectos relevantes é produzir um esvaziamento de significado e atrofiá-las quanto à própria existência. Ao analisar-se o Culto com Ceia do Senhor tem se detectado um esvaziamento quanto aos seus aspectos relevantes. Diante deste esvaziamento, ocorre um atrofiamento do Culto com Ceia do Senhor e o mesmo apresenta-se como sendo irrelevante, individual, triste e sacrificial[1]. Neste artigo não se procura as causas, mas a correção deste esvaziamento e atrofiamento. Enumera-se como conteúdo para a reflexão da comunidade quatro aspectos que caracterizam o Culto com Ceia do Senhor[2]: essencial, comunitário, festivo e dadivoso.

I - Essencial

Toda a história do Culto Cristão tem origem, meio e fim nas palavras instituitivas do Senhor Jesus: "Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim"[3]. Com estas palavras, o Senhor Jesus determina que os Seus seguidores continuem a celebrar a Ceia[4]. Conforme Kirst, para os primeiros cristãos celebrar a Ceia era o mesmo que celebrar culto e não era algo que a igreja pudesse fazer ou deixar de fazer. Era uma questão de obediência; obedecer à ordem de Jesus. Brand afirma sob a ótica da história e da teologia que o encontro dos cristãos, em obediência, para o culto é fundamentalmente um encontro eucarístico. É um encontro de obediência, pois a ordem dada foi: "...Fazei isto em memória de mim"[5].

O realizar do Culto com Ceia do Senhor em memória do Senhor Jesus é chamado de anámnesis. Por anámnesis entende-se que a igreja ao realizar o Culto com Ceia do Senhor recorda o ato salvífico realizado pelo Senhor Jesus no passado e vivencia em seu presente a realidade deste ato. Portanto, a existência do Culto Cristão é a partir da realização da Ceia do Senhor; sem a Ceia do Senhor haverá um esvaziamento do culto.

II - Comunitário

A instituição do Culto com Santa Ceia pelo Senhor Jesus não foi realizada para indivíduos[6], mas para a igreja. A Ceia do Senhor não tem caráter individualista, ela é comunitária. É para a comunidade. Isto implica afirmar que ela inclui muito mais do que pessoas somente; inclusa nela encontra-se uma ação comunitária[7]. É o Corpo de Cristo que em unidade celebra em memória e obediência a Cristo. Diz Martini que a Eucaristia é celebrada no círculo comunitário e que este espaço é o lugar legítimo para a realização da mesma. E que no Novo Testamento, Ceia do Senhor e comunidade são inseparáveis[8]. Opinião semelhante, emite Von Allmen quando afirma: "Não há celebração da Eucaristia sem que tenha havido convite à comunhão e sem que haja de fato comunhão do povo. Essa era a única maneira em que a Igreja primitiva entendia a Eucaristia"[9]. A Eucaristia só tem sentido quando celebrada em comunidade, pois é nesta atitude que ela se revela como guardiã de seu caráter comunitário.

Martini analisa que na concepção paulina, a Ceia do Senhor tem a ver fundamentalmente com a unidade. Que para ser Ceia do Senhor, ela deve expressar a unidade do corpo. A unidade do corpo só será visível no culto se a Eucaristia for celebrada sob a ação do caráter comunitário. Não há como expressar a unidade sem espírito comunitário. O espírito comunitário oxigena a unidade do corpo. E é pela unidade que a igreja se dá a conhecer-se no mundo como Corpo de Cristo enviado a ele[10]. Na Eucaristia celebrada em comunidade sob ação e espírito comunitário, o cristão relembra que teve acesso à igreja através do mesmo batismo ao qual os seus irmãos se submeteram e que todos os cristãos formam um único corpo. Daí, conclui-se que a Ceia do Senhor revela em seu caráter comunitário, a unidade do corpo.

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III - Festivo

Em muitas ocasiões em que a Eucaristia é celebrada adquire ares de morte e de tristeza. Seria este o propósito do Senhor Jesus ao instituir tal celebração em Sua Memória? Seria desejo d'Ele que a comunidade vivenciasse a tristeza por Sua morte durante a celebração? A tristeza é o sentimento adequado à celebração da Eucaristia? Sem as inquirições adequadas que permitam a busca de uma atitude coerente, a igreja atravessa os anos fazendo de uma celebração... um funeral, de um sentimento de libertação...um pesar e de uma alegria...uma tristeza.

A Eucaristia é celebração de ação de graças, porque a vida triunfou sobre a morte. As novas da ressurreição do Cristo são mais significativas do que as notícias anteriores sobre a Sua morte. É verdade que Ele morreu em lugar dos pecadores, mas a última notícia é que Ele venceu a morte e agora outorga o poder da ressurreição a todo aquele que n'Ele crê. É a tristeza que na presença divina salta de alegria![11] Agora, na celebração eucarística não há mais espaço para o cultivo da tristeza, porque a comunidade tem uma notícia mais atual: É tempo de festa, pois o Cristo ressuscitou! Ele está vivo!

A Eucaristia em momento algum apaga o fato de que Jesus - o Cordeiro de Deus - morreu pelos pecados da humanidade, mas a mensagem dela não é de morte e, sim, de vida...vida em abundância[12]. White assinala que a morte do Senhor é uma memória temperante, e mesmo assim, uma fonte de alegria[13]. Brand enfatiza que a igreja espera a vinda do seu noivo como alguém que está enamorada e que experimenta os carinhos d'Ele. Esta situação se expressa com o gozo festivo que é proporcionado pela celebração comunitária da Eucaristia[14]. Ele defende a idéia de que o gozo nupcial também influi em vários momentos do culto, ou seja, no ambiente, nas vestes, nos sentimentos, nas músicas, nas palavras, etc. Com isto fecha a idéia de que a Eucaristia é uma festa completa em todos os aspectos e é um sinal aqui na terra do que será no futuro as Bodas do Cordeiro[15].

IV - Dadivoso

A Eucaristia é detentora de um caráter dadivoso. Ela acentua, registra e convoca a igreja a entender e aplicar em sua vida - a prática de ser dadivosa porque seu Deus o é. A Eucaristia é como um letreiro luminoso, que na noite escura e sombria da bondade humana, testifica que há um Deus dadivoso. Um Deus que além de dar os bens necessários às pessoas, independentemente, se elas são boas ou más, dá-se a Si mesmo. Num mundo avarento já é difícil que as pessoas dêem alguma coisa; quanto a elas darem a si mesmas, nem pensar.

Mais do que um letreiro luminoso, a Eucaristia pode ser comparada a um monumento. Monumento que tem uma importância histórica e teológica fundamental, pois serve para estabelecer marcas na vida da comunidade quanto ao compromisso de ser dadivosa. Esta ação dadivosa que caracteriza a Eucaristia toca profundamente a comunidade, sensibilizando-a a agir em conformidade com a vontade do Senhor a quem ela serve e segue, pois Ele diz: "Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando, vos deitarão no vosso regaço; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo"[16]. O apóstolo Paulo instruindo aos presbíteros da Igreja de Éfeso, disse:"... É necessário ...recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber"[17]. A ênfase nestes dois textos bíblicos é que o Senhor instrui a igreja para que ela seja dadivosa. Dadivosa não só por ação, mas por natureza[18]. Natureza que foi tocada e transformada pelo Senhor. Tudo isto supracitado, é sinalizado, relembrado e vivenciado pelo caráter dadivoso da Eucaristia. A mesa da Eucaristia ao ser preparada com a realização do Ofertório, lembra à comunidade que ela recebeu as dádivas do Deus que lhe criou, sustentou e salvou. Mais do que isto, ela recebeu a Ele mesmo que Se deu em Cristo Jesus.

Conclusão

Quando não se observa o caráter essencial, comunitário, festivo e dadivoso da Eucaristia, mutila-se a mesma. Mutilar a Eucaristia é mutilar as ações divinas que são celebradas em memória d'Aquele que agiu em prol da igreja. Mutilar estas ações divinas é correr o risco de rejeitar aspectos importantes que esta anámnesis propicia ao Corpo de Cristo. Quando se rejeita estes aspectos importantes, não somente a comunidade deixa de receber os benefícios preparados e proporcionados pelo próprio Deus, mas comete o erro de esvaziar e atrofiar a Eucaristia. E esvaziar e atrofiar a Eucaristia é não atentar para uma tão grande salvação que foi realizada pelo Cristo e está refletida nesta Ceia. Portanto, a comunidade é conclamada a não cometer tais desvios quanto à Eucaristia, observando a cada celebração eucarística o seu caráter essencial, comunitário, festivo e dadivoso.